segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Canção grata

Por tudo o que me deste
inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora
o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce
e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão.

Florbela Espanca.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Voz do Silêncio

       

A Mente é a grande assassina do Real.
Que o discípulo mate o assassino.
Porque quando para si mesmo a sua própria forma parece irreal, como o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos; quando deixar de ouvir os muitos, poderá divisar o Um - o som interior que mata o exterior...
           
Antes que a Alma possa ver, deve ser conseguida a harmonia interior, e os olhos da carne tornados cegos a toda a ilusão.
Antes que a Alma possa ouvir, a imagem (o homem) tem de se tornar surda aos rugi­dos como aos segredos, aos gritos dos elefantes em fúria como ao sussurro prateado do pirilampo de ouro.
Antes que a Alma possa compreender e recordar, ela deve primeiro unir-se ao Falador Silencioso, como a forma que é dada ao barro se uniu primeiro ao espírito do escultor.
Porque então a Alma ouvirá e poderá recordar-se.
E então ao ouvido interior falará

(A Voz do Silêncio, extraído do Livro dos Preceitos de Ouro, uma das obras lidas pelos estudiosos do misticismo no Oriente)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Retrato

Seria fantástico se fosse possível escrever um livro inteiro numa noite só.
Assim, todo o momento seria preservado
e também o nosso eu daquele instante
o amado e o pensamento
o eu hoje.

Rosana Carvalho